14 janeiro 2022
14 jan. 2022

Meu compromisso social

Meu compromisso social
P. Aldo Marchesini: dehoniano, sacerdote, cirurgião e missionário. Suas observações para Conferência Geral.
por  Aldo Marchesini, scj
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Compartilhe uma história sobre como a experiência no teu ministério social fez você se sentir mais dehoniano.

A minha primeira experiência no ministério social foi a dedicação sem poupança de tempo e de sono no serviço aos doentes. Nos anos de Mocuba (1975-76) e do Songo (1976-1980) trabalhei como único médico de um hospital rural de cerca de 150 camas, devendo cuidar pacientes de medicina, de cirurgia, de maternidade, de pediatria, de ortopedia sem ter a ajuda de um colega, devendo enfrentar a solução dos casos que me apareciam, contando apenas com o estudo nos livros e na disponibilidade das minhas energias, a qualquer hora do dia ou da noite. Para poder resistir a tanta pressão, encontrei o maior conforto na procura de unir de maneira explícita  as exigências da minha vida religiosa e apostólica à oblação reparadora de Cristo ao Pai. Descobri desde o início que não me era possível resistir, sem me apoiar na oração. A oração mais desejada era a da adoração eucarística  dentro e fora do horário. Naqueles anos experimentei ficar a rezar nas sextas feiras até meia noite em companhia com o confrade que vivia comigo (padre Antonio Losappio) e com a frequente participação voluntária de irmãs e de padres capuchinhos e combonianos que viviam no território da mesma missão. A qualidade da oração da adoração eucarística é a que se revelou a mais favorecida para nos unirmos à oblaçao de Jesus ao Pai.

Descreva uma maneira pela qual a vida do Padre Dehon inspira teu compromisso social de cuidar dos mais indefesos e de remediar as inadequações pastorais da Igreja em nosso tempo (cf. Cst 5).

Ao longo da minha vida em missão em Moçambique, deparei-me com situações de necessidades que poderiam entrar no denominador comum de necessidades sociais, mesmo que referidas a situações diferentes das do padre Dehon. Vou citar algumas.

  1. Nos primeiros trinta anos (1974-2004) foram numerosos os casos de pessoas com dificuldades de locomoção, quer devidas à presença ainda activa na sociedade do vírus da poliomielite, quer devidas às sequelas do conflito armado entre Renamo e Frelimo, que produziu amputações como sequelas de minas ou de ferimentos graves. Senti-me interpelado como cirurgião para estudar a fundo a cirurgia das sequelas da poliomielite, alongando tendões, reduzindo retrações articulares, consolidando pés paralizados com artrodeses etc.
    Uma nova oportunidade de ajuda foi a abertura no nosso hospital governativo de Quelimane de un Centro ortopédico para construir próteses de pernas amputadas. Fiz amizade com os técnicos prótésicos preparados com um curso de 3 anos pela Cruz Vermelha, e lhes propus para irem 15 dias ao hospital Central de Nampula para aprenderem a construir cadeiras de rodas tipo triciclo, movimentadas por manivelas. Foram com entusiasmo e voltaram capacitados. Com ajudas de benfeitores começou-se a produção e logo apareceram muitos pedidos de tantos diminuídos físicos que tinham vivido ignorados e escondidos a sofrerem por falta de soluções. Até agora este serviço continua. O empenho maior é estimular o aparecimento de benfeitores. Já foram construídas, distribuídas, e repetidamente reparadas algumas centenas de cadeiras de rodas.
  2. Em Quelimane está situada a Penitenciária provincial, que tem hospedado uma média de reclusos entre 700 a 800, com pontas de mil. Uma discreta percentagem deles è formada de crentes de várias religiões: católicos, membros de pequenas igrejas evangélicas e mussulmanos. A direção prisional encoraja a prática da propria religião. No âmbito da Igreja Católica o número dos crentes que desejam praticar a sua fé, oscila quase sempre entre cem a cento e trinta. Nos anos oitenta e noventa os frades missionários capuchinhos iam frequentemente celebrar a missa e dar assistência religiosa. Quando para eles começou a tornar-se mais difícil continuar a sua presença, os reclusos tiveram a iniciativa de me convidarem a mim, que já ia de vez em quando como médico a visitar doentes, para ir celebrar a missa. Havia um pequeno grupo de terciárias franciscanas que iam habitualmente visitar e rezar com os presos aos domingos. A sua benéfica influència foi de grande importância. Acetei esse convite como vindo de Deus e com a ajuda das terciárias franciscanas foi-se organizando melhor a catequese e a preparação de catecúmenos para o santo baptismo. O Bispo apoiou e aceitou repetidamente  o convite para ir celebrar o sacramento da Confirmação na cadeia.
    Durante a pandemia do Covid houve grandes  restriçóes e até impedimentos prolongados para qualquer celebração. Quando eu adoeci de covid, ficando bastante impedido para a vida normal, o padre Sandro entrou com muita dedicação a dar assisténcia aos reclusos e isso continua até à data. Também a cadeia feminina, em Nicoadala, iniciou a ser assistida e continua até agora por padre Sandro.
  3. Um outro aspecto pastoral de importância social foi a celebração da Santa Missa vespertina paroquial aos domingos. Quando a Paróquia da Sagrada Família passou ao clero diocesano, em 2005, essa missa tornou-se difícil para ser celebrada sempre, pelo que continuei a celebrar sempre eu, por vezes substituído por padre Toller, quando eu era impedido. Com a chegada do covid essa celebração foi suspensa e por agora a sua continuação náo foi ainda objecto de estudo em vista duma programação oficial.

Como você une “de maneira explícita” sua “vida religiosa e apostólica com a oblação reparadora de Cristo ao Pai pelos homens” (cf. Cst 6)?

O ponto central é a renovação do Ato de Oblaçao do Padre Dehon na primeira página do livrinho do Angelus Domini e Atos de oblação, como primeira oração ao acordar, estando ainda na cama

(Pai, animado pelo teu Espirito, hoje me ofereço, em união com o Coração de Jesus, para viver a Sua oblação como resposta ao Teu amor.  A ti consagro a minha vida e as minhas ações, as minhas alegrias e sofrimentos, como sacrifício de amor e reparação. Eis-me aqui, Pai, para fazer a tua vontade. Ámen).

As fórmulas dos atos de oblação de cada dia não têm a força e a unção deste do padre Dehon.

Esses atos querem tocar muitos aspectos e a minha experiência de pobreza é que no fim não lembro quase nada do que rezei no ato de oblação. Tentei então formular sete novos atos muito breves e simples que se abraçam num único olhar. Permito-me transcrevê-los a seguir. Eles estão publicados no fim com o título “Novos Atos de oblação”.

Domingo.
Pai,
que no sétimo dia
te repousaste,
para saborear a alegria
de ter criado o mundo,
ensina-nos a exultar em ti
e a sermos o coração do mundo,
que a ti se oferece em oblação
e agradecimento.
Ámen

Segunda feira
Pai,
com toda a criação
agradecemos-te pelo dom
da existência!
Animados pelo sopro
do Espírito,
que a tudo dá vida,
queremos oferecer-te,
em união com Cristo,
o mundo inteiro,
em espírito de amor
e de reparação!
Àmen

Terça feira
Pai,
que nos deste o Espírito do teu
Filho,
concede-nos
que possamos dizer com Ele:
“Eis-me aqui,
ó Pai,
para fazer a tua vontade!”
Ámen

Quarta feira
Pai Santo,
mergulhados no mundo,
oferecemos-te
a humanidade inteira
com a sua bondade,
os seus sofrimentos,
os seus pecados.
Lava-nos no sangue do teu
Cordeiro
E derrama sobre nós a tua
infinita misericórdia.
Ámen

Quinta feira
Pai,
que encerraste na eucaristia
o mistério da morte
e da oblação do teu Filho,
aceita em união a Ele,
a oferta do nosso ser
e da nossa obediência
ao longo de todo este dia!
Ámen

Sexta feira
Pai,
que nos deste o teu Flho,
concede-nos que hoje
possamos,
juntos com Ele na cruz,
ser a voz do mundo inteiro que
sofre:
“Pai, nas tuas mãos entrego-me!”
Ámen

Sábado
Pai santo,
neste dia consagrado
a Maria nossa mãe,
concede-nos que,
juntos com ela,
possamos dizer:
“Eis a serva do Senhor,
cumpra-se em nós
a tua vontade!”
Ámen

Outra situação que facilita o recurso a unir de forma explícita a nossa vida apostólica à oblação de Cristo é o sentir o peso  das exigências e responsabilidades no trabalho, quando o sacrifício é maior. Para resistir é de grande ajuda o recurso à oração silenciosa da adoração eucarística. Quando há tempo, dá alívio começar em silêncio antes da exposição do Santíssimo.

Quais são as três necessidades sociais mais urgentes em sua área que exigem um maior envolvimento e resposta dehoniana?

  1. A meu parecer a primeira è a de darmos testemunho como dehonianos, observando todas as exigências de justiça social exigidas pela lei em relação aos nossos trabalhadores, como assinar um contrato com eles e inscrivendo-os na Assistência Social. E depois fazer o possível para fazê-los progredir na formação, favorecendo, a progressão social com aquisição de títulos de estudo, nem que seja a décima ou a décima segunda classe.
  2. Outra área onde deveríamos empenhar-nos è a de ajudar a juventude, especialmente os órfãos de pai e mãe a encontrar caminhos para uma actividade laboral remunerada. O grande escândalo da nossa sociedade é o desemprego, aceite como consequência inevitável duma sociedade em que apenas a família é a que deve ter a responsabilidade da progessão dos filhos.
    Não existe apenas a inscrição a cursos escolares. Seria possível organizar a aprendisagem de habilidades, como fazer cestos, saber costurar um par de calças, uma camisa, uma saia, incentivando o artesunado. Também a agro pecuária tem grande campo de ação.
    O Ministério do Trabalho tem cursos breves, de seis meses, de custo barato (cinco mil mts): carpinteiros, electricistas, canalizadoes, serralheiros, cozinheiros…
    A preocupação de ajudar os jovens a ganhar algo deveria fazer parte da pastoral paroquial nas nossas missões do campo.
  3. Uma terceira área de grande necessidade social è a formação bíblica intensiva dos nossos cristãos. Não se vê uma programação explícita. Um primeiro grupo alvo podia ser o dos membros dos movimentos de que somos responsáveis, como na Família do Coração de Jesus e nos Amigos de Jesus. Mas o sonho é de formar em todos os cristãos das nossas missões, católicos que estudem, rezem e conheçam a Escritura, pelo menos como os seus irmãos protestantes. Cito dois pequenos anédotos: 

     

    Poderia repetir-se entre católicos esta alegria ao falar com um jovem?
    “Como te chamas?”
    “Ageu”.
    “Sabes quem era Ageu?”
    ”Sim!. O profeta que animou o povo de regresso de Babilónia a reconstruir o Templo de Jerusalem”

    Chegaram duas mulheres juntas à minha consulta.
    “Eu chamo-me Noemi”, disse a mais nova.
    “Eu chamo-me Ruthe”, disse a tia mais anciã.
    “Devia ser o contrário!” exclamei eu. “Sabeis o porque?”
    “Sim: Noemi era a sogra e Ruthe a nora!”…

Compartilhe uma ideia para incentivar e animar os programas de formação dehoniana e os leigos para o apostolado social.

A primeira iniciativa devia ser a de inserir na Ratio formationis da Congregação um curso de Doutrina Social da Igreja, talvez durante os anos de filosofia. No meus anos de formação não havia essa disciplina.

A mesma formação devia ser oferecida aos leigos que se preparam a entrar na Família dehoniana.

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