23 julho 2021
23 jul 2021

Nossa vida espiritual (VI)A serviço da Igreja

Nossa vida espiritual (VI)
Apresentação em série do "Guia de Leitura" das Constituições, escrito por P. Albert Bourgeois.
por  P. Albert Bourgeois, scj
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1. A lei da “eclesialidade”

325  A “eclesialidade”, isto é, o relacionamento com a Igreja ou o caráter eclesial, é, segundo J. Mouroux (cf. op. cit.) um dos elementos constitutivos e estruturantes da experiência crista”. Esta é “experiência na fé”, “experiência em Cristo”, “experiência na Igreja”.

326  É também um dos princípios teológicos da vida religiosa que a Ecclesiae Sanctae pedia para pôr em destaque na revisão das Constituições: “principia evangelica et theologica de vita religiosa eiusque unione cum Ecclesia” (ES II, 12a).

327  Já se observou quanto é importante e constante, nas novas Constituições, a referência à Igreja:

–   na descrição da experiência de fé do Padre Dehon (3,4,5), das intenções originárias e da natureza ou finalidade da Congregação (1, 6, 7) e quando se fala de seu estatuto canónico (8);

–   na descrição de nossa própria experiência de fé. A referência é explícita, no início de três subdivisões:

+   n. 9: A Igreja, como lugar e meio de nossa iniciação na fé e no amor de Deus (cf. 9); lugar e meio de nossa vocação religiosa e do desenvolvimento histórico da vida religiosa (13 e 15).

+   n. 16: O serviço da Igreja é elemento constitutivo de nossa vocação específica e supõe vida espiritual.

+   n. 26: A Igreja: garante de autenticidade de nosso “ideal espiritual” (espiritualidade), de “nosso carisma” (27),

+   a “serviço da Igreja” (30), por meio do apostolado e da adoraçaò eucarística (31), em comunhão com a vida da Igreja universal e local (32 e 34).

328  A estas referências explícitas, seria preciso acrescentar tudo quanto é dito a respeito do relacionamento de nossa vida religiosa com o Reino de Deus e o Corpo de Cristo ou o Povo de Deus (cf. 13, 25, 27, 37, 38…) Aliás, a referência à missão e ao serviço preside todo o texto e sua dinâmica. E o horizonte escatológico constantemente evocado na conclusão de cada parte é também referência eclesial, na linha do capítulo 7 da Lumen Gentium.

329  As antigas Constituições (n. 8) e o Diretório Espiritual (VI, par. 24) faziam apenas algumas referências a este respeito. É conhecido o senso eclesial do Padre Dehon, em suas iniciativas, em seus compromissos, em suas recomendações e seus exemplos de fidelidade total até o herísmo. As novas Constituições estao totalmente estruturadas e apoiadas na referência eclesial. E isto é muito mais que as duas linhas das antigas Constituições e as dez do Diretório Espiritual. Verdadeira “fidelidade dinâmica”, pode-se dizer, à experiência e ao pensamento do Padre Dehon.

330  É importante para uma boa compreensão e apreciação de nossa vida religiosa, uma séria teologia da Igreja, de seu mistério e de sua missão[1].

331  A Regra de Vida, de 1973, tinha, para o assunt o em pauta, um breve, mas substancial número (13). É lastimável que ele tenha desaparecido, em 1979, mesmo se o seu conteúdo, agora menos concentrado, mas não menos eficaz, se encontre em o novo texto. Estava assim redigido o n. 13 da Regra de Vida: “Batizados na morte e ressurreição do Senhor, e confirmados no Espírito Santo, somos membros da Igreja – comunidade dos fiéis – chamados a viver como irmãos, para cumprir, no mundo, a missão do Senhor (cf. Ef 4,1-2, Jo 13,35).

332  Sinal e instrumento da uniao com Deus e da unidade do género humano (cf. LG 1), a Igreja nos revela aquele que transforma as aspirações em esperança e a libertaçaò em liberdade no Espirito Santo (cf. 2Cor 3,17).

333  É no seio do Povo de Deus e em uniao com os seus pastores que professamos a nossa vida religiosa”.

334  Este texto realçava muito bem o conceito de Igreja, que não é só um organismo institucional e canónico, mas comunidade de crentes lugar e meio de comunhão e de participação, através de diversos ministérios, a serviço do Povo de Deus e da humanidade.

335  É preciso acrescentar a estas considerações gerais atinentes à “eclesialialidade” da vida cristã e da vida religiosa, em geral, que “nossa” vida religiosa nasce e se nutre na e da contemplação do mistério do “Lado Aberto” e do Coração de Jesus, fonte da água, do sangue e do Espírito, e, segundo a grande tradição patrística, mistério do nascimento da Igreja – “Princípio e incremento significados pelo sangue e pela agua que manaram do lado aberto de Jesus Crucificado” (LG 3). Ser “eclesial” é a nova e particular exigência da vida espiritual de um padre do Coração de Jesus.

2. Participantes na missão da igreja

2.1. Instituto religioso apostólico

336  Os dois últimos parágrafos da primeira parte (A) do capítulo segundo das Constituições (Seguindo a Cristo), a saber, par. 4 “Participantes na missão da Igreja” (26-34) e par. 5 “Atentos aos apelos do mundo” (35-39) tratam da missão da Congregação na Igreja “ao serviço da missão salvífica do Povo de Deus no mundo de hoje” (27). Este conjunto todo (26-39) desenvolve a precisa, de certa maneira, a aplicação da “eclesialidade” da vida religiosa dehoniana. Nosso instituto “participa da vida da Igreja segundo sua índole própria” (PC 2c) de acordo com o que estabelece o terceiro critério da atualização indicado pelo Concílio.

337  A “eclesialidade” da Congregação é, antes de tudo, autenticada e garantida pelo “reconhecimento” da Igreja. Fundada para “enriquecer a Igreja” e chamada “a fazer frutificar esse carisma (do Fundador), segundo as exigências da Igreja e do mundo” , ela recebe da Igreja seu estatuto canónico e vê “reconhecida” e autenticada por esta mesma Igreja o “ideal espiritual” de sua profissão religiosa (cf. 26), a “graça especial” e o “carisma profético” (cf. 27), que caracterizam sua participação na missão da Igreja.

338  Assim “reconhecida”, nossa vida religiosa – caracterizada e definida pela “missão eclesial” – desenvolve-se e vive, na Igreja, da Igreja e para a Igreja. O serviço apostólico marca sua participação na missão da Igreja. Por isso, nossa Congregação é: “Instituto religioso apostólico” (8).

339  Nossas primeiras Constituições são explícitas, quando se referem à índole apostólica da Congregação.

340  Cst 1978-1883 (Texto A, cf. CF 240): “Esta Ordem, unindo a vida contemplativa à vida ativa responde às necessidades do bem das almas que, atraídas pela graça à vida de imolação e de sacrifício, oculta aos olhos do mundo, ardem, igualmente, num fogo apostólico”.

341  Cst de 1885 (STD n. 2):

–   “Os membros da Sociedade terão como um de seus sagrados deveres glorificar e consolar o Coração de Jesus, trabalhando para estabelecer seu reino nas almas” (n. 19).

–   “Eles não se contentarão em rezar, mas trabalharão com zelo para ganhar almas a Deus” (VIII, par. 9, n. 4).

–   “A fim de que seu zelo seja verdadeiramente reparador, é preciso que imitem as características do zelo do Coração de Jesus, zelo ativo que procura e usa todos os meios para fazer Deus conhecido e amado” (VIII, par. 9, n. 6).

342  Nas Constituições de 1885, o parágrafo sobre o Zelo (VIII, par. 9) é mais desenvolvido que o breve parágrafo correspondente do Diretório de 1919 (VI, par. 23).

343  É verdade, no entanto, que na origem da fundaçab havia a preocupação de garantir uma “vida interior regular”. Era uma necessidade que o próprio Padre Dehon sentia. A vida religiosa aparecia, assim, como um contrapeso ou uma proteção contra a dispersão das atividades. Daí se entendem as restrições e reticências que ele fazia em relação às atividades e às obras, em nome do espírito e da finalidade do Instituto, que devia ser, segundo ele, “profundamente contemplativo” na própria ação (cf. CF, V, 85; tb, I, 74, III, 25; II, 2).

344  Quaisquer sejam as fórmulas, o exemplo do Padre Dehon a história da fundação e do crescimento da Congregação confirmam as expressões das antigas Constituições e do Diretório Espiritual e justificam a definição da Congregação como Instituto apostólico.

345  Nas novas Constituições, a índole apostólica é sublinhada ao longo de todo o texto:

–   Padre Dehon deu sua resposta pessoal “ao amor menosprezado”, em “íntima união ao Coração de Cristo”. Exerceu seu apostolado para instaurar o Reino de Deus nas almas e na sociedade. Tinha uma extrema atenção aos homens, especialmente, os mais desprotegidos (5) e “solicitude de remediar ativamente as insuficiências pastorais da Igreja do seu tempo” (5).

–   Sua primeira intenção era que seus religiosos fossem “profetas do a- mor e servidores da reconciliação dos homens e do mundo em Cristo” (7).

–   Nossa vida dehoniana, no meio dos “desafios do mundo” (9), é “disponibilidade e amor para com todos, especialmente para com os pequenos e os que sofrem” (18); é solidariedade com toda a humanidade e criação (cf. 22); é serviço do Evangelho para curar, reunir e consagrar a humanidade (cf. 25). Nossa reparação é “cooperação com a obra da redenção no coração do mundo” (23) e “participação na obra de reconciliação” (25).

346  Definida e caracterizada como Instituto apostólico, nossa Congregação, em sua organização e renovação, destaca as orientações dadas na Perfectae Caritatis, 8, aos Institutos dedicados à vida apostólica: “Nesses institutos a ação apostólica e caritativa faz parte da própria natureza da vida religiosa”:

–   “Toda a vida religiosa dos membros há de embeber-se de espírito apostólico e toda açaò apostólica animar-se de espírito religioso… É mister que sua açaò apostólica se exerça em uniâò íntima com ele (Cristo)”.

–   “Adaptem, pois, convenientemente os mencionados institutos suas ob- servâncias e seus usos às exigências do apostolado a que se dedicam. Como, porém, muitas sao as formas de vida religiosa consagrada às obras de apostolado, é necessário que a atualizaçãb leve em conta esta diversidade, e que, nos vários institutos, a vida dos membros a serviço de Cristo seja sustentada com meios próprios e correspondentes à finalidade” (PC 8).

347  Estes princípios gerais sao aplicados na apresentação e na organizaçaò da própria vida religiosa (votos e vida comunitária, 40-85), na formação (86-105) e governo (106-143). Em primeiro lugar, porém, eles iluminam e orientam a reflexão sobre a missão, o espírito e a consagração específica.

2.2. Os números 26 a 39

348  Os números 26 a 39 traçam as grandes normas, as orientações gerais, as modalidades particulares da “cooperação” e da “participaçãò”, que caracterizam nossa “reparação” (cf. 23 e 25). Descrevem o modo de ser apostólico dehoniano, resultante da experiência e da vida espiritual dehonianas.

349  Distinguem-se três partes:

–   nn. 26-29: tratam da lei geral de nosso “carisma profético”. Em virtude da “vida de união à oblação de Cristo” (26), nossa vida apostólica é caracterizada por: total disponibilidade aos sinais da presença de Cristo na vida dos homens (cf. 28); solidariedade efetiva com os homens (cf. 29); sensibilidade particular “ao que, no mundo de hoje, constitui obstáculo ao amor do Senhor (29), isto é, “ao pecado como recusa do amor de Cristo” (4).

–   nn. 30-34: tratam das orientações apostólicas (30-31); dos compromissos concretos (32-33); das modalidades de nossa inserção eclesial (34).

–   nn. 35-39: descrevem as “condições” de autenticidade e eficácia de nosso “testemunho apostólico”: atenção aos apelos do mundo (acontecimentos, expectativas, realizações humanas: 35-37); solidariedade com os homens na construção da cidade terrena e a edificação do Corpo de Cristo (38).

350  Com exceção dos números 36 e 37, tomados da Regra de Vida de 1973, os outros números deste conjunto 26-39, sõo contribuições’novas de 1979. Quase a metade do texto é consagrada à nossa experiência e a nossa vida espiritual SCJ. O texto de 1979 sobre a missão, propriamente dita, e o apostolado, comparado com os números 7 e 8 das antigas Constituições, é infinitamente superior. O Diretório Espiritual, por sua vez, dedica breve parágrafo ao ‘‘zelo” (VI, par. 23).

351  Tudo isso é efeito também da “fidelidade dinâmica”, na reinterpretação e apresentação do espírito da Congregação, de acordo com o Concílio e os grandes textos conciliares.

352  Um comentário detalhado colocará em evidência as insistências as nuanças e a prudência do texto, principalmente, dos números 35 a 38 sobre os “apelos do mundo” e os respectivos compromissos religiosos. Os textos da Lumen Gentium, sobretudo da Gaudium et Spes, e o documento sobre a Vida Religiosae a Promoção humana são o pano de fundo doutrinal e pastoral. O comentário esclarecerá tudo isso[2].

353  Algumas observações sobre o plano do texto.

354  Os números 30-34, que focalizam “as orientações e compromissos apostólicos”, parecem interromper um pouco o nexo e a sequência dos números 26 a 29 e 35 a 39. Temos interesse em aproximar estes dois últimos conjuntos para um comentário orgânico. A atenção “aos sinais da sua presença (de Cristo) na vida dos homens” (28) ea solidariedade efetiva com os homens, bem como o julgamento a respeito do “esforço humano” (29) sao desenvolvidos em os números 35 a 38, onde se trata da atençõo aos apelos dojnundo (35-37) e da solidariedade com a vida dos homens “na construção da cidade terrestre” (38).

355  A Regra de Vida de 1973 propunha os números 35 e 36 (entao 9 e 10) sobre os “apelos do mundo”, como introdução (pedagógica) à apresentação do mistério do Cristo (11-12), de nossa vida religiosa (14-46) e de nossa vida SCJ (47-54). O deslocamento efetuado, em 1979, assinala mais claramente, sem dúvida, o relacionamento entre nossa vida religiosa SCJ e o mistério do Cristo. Com isso, também, o próprio sentido da “atenção aos apelos do mundo” fica iluminado com o sentido que somos levados a dar às palavras e aos valores “libertação”, “verdade” “justiça”, “liberdade”, “construção da cidade terrestre”, “advento da nova humanidade, purificando-os de toda ambiguidade e desvio sócio-político ou outro qualquer. É a Lumen Gentium que precede e aclara a Gaudium et Spes. Pode-se, como de fato acontece, discutir a questão. Sem dúvida, a ordem mais tradicional, para a doutrina, é desejável, nas Constituições. Ela tem também seu valor pedagógico. Em 1979, ninguém mais se espantou nem ficou descontente com os números 36 e 37, tão discutidos, em 1973.

3. Consagração, por si mesma, apostólica

356  Nossa “consagração” – numa vida religiosa e apostólica unida, “de forma explicita â oblaçab reparadora de Cristo ao Pai pelos homens”, segundo o n. 6 – “possui já, por si mesma, uma real fecundidade apostólica” (27).

357  Esta afirmação tem muita importância e deve ser entendida em toda a sua profundidade. Nossa consagração tem fecundidade, em si mesma, e não só por causa dos “exercícios” que ela supoe ou das “obras” que inspira e realiza. Ela é fecunda, em primeiro lugar, pelo que “somos” e não somente pelo que “fazemos e sofremos” (25). Muito embora as “obras” tenham importância, o testemunho, porém, de nosso “ser religioso”, se autêntico, é profético e tem “real fecundidade apostólica” (27).

3.1. “Por nossa vida religiosa…”

358  Na verdade, nós somos, em primeiro lugar, “criatura”, “um ser criatural”. E o testemunho que damos de nossa fé, de nossa adoração é o da imagem que, por graça, tende para a semelhança.

359  Damos, também, testemunho de nosso “ser filial”, em Jesus Cristo, e de seu Espírito que grita em nós: Abba! Pai! e que vai para o Pai, seguindo “os passos de Cristo” (13).

360  Nossa vida religiosa, an.tes de tudo, testemunha e deve testemunhar isto, pelo dom particular da vocação. O Concílio falou eloquentemente da eficácia intrínseca do testemunho da “consagração” religiosa “pelos votos” – verdadeiro serviço á Igreja (cf. LG 44.46; PC 1,25; Evangelica Testificatio de Paulo VI). Nossas Constituições fazem alusães a estes textos (cf. 13, 40 ss.), a propósito de diversos aspectos ou elementos da vida religiosa (votos e vida comunitária…).

361  A união explicita da vida religiosa e apostólica à oblaçab reparadora de Cristo, segundo a intenção originária do Padre Dehon, é definida, em o n. 6, como “serviço que (o Instituto) é chamado a prestar à Igreja”, conforme sua índole própria. Em o n. 39, nossa vida religiosa – pelo compromisso, sem reserva, que acarreta e pela razão particular da oblaçab reparadora – é descrita, como testemunho profético – a que somos chamados a dar – do “advento da nova humanidade em Jesus Cristo”.

362  A reflexão sobre os diversos temas gerais da vida religiosa (conselhos e- vangélicos e vida comunitária, n. 40-79), necessariamente deverá integrar a dimensão da “oblaçab reparadora”. Sob este aspecto, a modificação de plano ocorrida de 1973 a 1979, reveste-se de importância (cf. I, 3.1.). Na Regra de Vida de 1973, com efeito, “a vida religiosa” (vjda de comunidade e conselhos evangélicos 14-46) precedia a apresentação do “espírito” da Congregação (47-55) e as alusões a este “espírito”, na prática dos conselhos evangélicos, pareciam apenas simples anexos, cuja importância verdadeira não podia ser plenamente apreendida.

363  Nao vamos desenvolver aqui cada tema. Notemos, apenas, as referências de nossas Constituições à uníao entre vida religjosa e oblação, sendo esta última a marca característica da Congregação e da vida religiosa SCJ.

–   O n. 40 coloca a profissão dos conselhos evangélicos sob o signo da uníao de toda a nossa vida à oblação de Cristo.

–   Em o n. 41, a castidade, vivida no celibato consagrado, é uniao a Cristo que se deu inteiramente ao Pai e aos homens com um amor sem reservas.

–   Em o n. 52, a pobreza quer significar oferta de toda a nossa vida ao serviço do Evangelho.

–   Em o n. 58, a obediência é ato de oblaçab, no qual, com Cristo, vivemos, para a redenção do mundo, o “Ecce venio” que define a atitude fundamental de nossa vida.

–   A vida comunitária, atendendo a prece de Cristo do “sint unum” deve transformar nossas comunidades em autênticos lares de vida evangélica “particularmente pelo acolhimento, pela partilha e pela hospitalidade” (63).

364  Estas são apenas breves indicações. Podem servir, porém, de orientação para a reflexão. Em nome e em virtude da oblação, nossa consagração religiosa, pelos votos e na vida comunitária, tende a realizar o “testemunho profético”, a que somos chamados a dar pelo “carisma profético que nos coloca “ao serviço da mis&b salvífica do Povo de Deus no mundo de hoje” (27).

365  Era assim mesmo que o Padre Dehon entendia nossa vida religiosa. Lemos no Diretório Espiritual: “Os votos de pobreza, castidade e obediência, que constituem formalmente o estado religioso, sao comuns a todos os institutos; eles, porém, se diversificam, na prática, de acordo com a finalidade especial de cada Instituto religioso” (III, I).

366  “Os padres do Coração de Jesus compreenderão que devem realizar sua própria perfeição pela perfeita observância das prescrições que lhes determinam o sentido, o alcance e a prática de seus votos, conforme a finalidade de sua vocação. Seus votos devem ser emitidos e observados segundo o espírito de amor e de imolação que lhes é próprio” (II, I).

367  Com maior precisão, ele fala da pobreza (III, II par. 3), da castidade (III, III par. 1) e da obediência (III, IV par. 1). Os Cahiers Falleur sao igualmente ricos em observações espontâneas, bem diretas e precisas a respeito destes diversos temas (cf. Indice analítico: profissão, votos, pobreza, castidade, obediência…).

368  Padre Dehon sublinha, sobretudo, o alcance e a perspectiva ascética: “a santificação dos membros pela observância dos três votos simples” (Cst 1956, 2 par. 1). Esta santificação é, na verdade, “para a glória de Deus”. As novas Constituições, seguindo, neste ponto, orientação conciliar e de “fidelidade dinâmica”, explicitam o que estava implícito. Toda a nossa vida religiosa, em sua estrutura e na prática, inscreve- se na dinâmica de nossa oblação reparadora, centro e princípio de nossa vida religiosa e apostólica. Ela é “testemunho profético”, dá glória e alegria a Deus (cf. 25) e se empenha “no advento da nova humanidade em Jesus Cristo” (39).

3.2. “… unida à oblação de Cristo…”

369  Nossa “consagraçaò religiosa” dehoniana, unida à oblaçab reparadora de Cristo, é e deve ser de “uma real fecundidade apostólica” (27), não somente pelas disposições que engendra nem pelas obras que suscita e inspira, mas por sua própria natureza: uniao à oblaçab filial e redentora de Cristo ao Pai e “em prol das multidões” (10).

370  A reflexão do teólogo Urs von Balthasar sobre o “tempo de Cristo” pode ajudar-nos a compreender em profundidade tudo isso.

371  Toda a existência temporal de Cristo – observa ele – a experiência de sua duração e do seu tempo eram medidas pela referência ao Pai, na obediência e na oblação. Sua oblação era e é sempre ainda a expressão de seu movimento para o Pai. É um “dado imediato” de sua consciência humana de Verbo Encarnado. Quer na terra, quer na glória, a vida de oblação de Jesus é ter tempo, todo o seu tempo, para o Pai. E esta oblação possui, por si mesma, verdadeira eficácia redentora. “O Filho que tem tempo para Deus, no mundo – afirma, de maneira muito profunda, von Balthasar – é o lugar originário no qual Deus tem tempo para o mundo. Nele, Deus tem tempo para todos os homens… Esta abertura de Deus, através do tempo, é a graça: acesso para Deus, através do próprio Deus” (Théologie de 1’histoire: I. Le temps du Christ, Plorr p. 40).

372  Esta eficácia essencial da oblação-consagração de Cristo é o fundamento e a razao última da eficácia da nossa. Nossa oblaçab, em uníao com a oblação de Cristo, é a medida de nosso tempo, nossa “duração” é movimento para o Pai. Neste tempo e nesta “duração”, vivida para Deus, Deus tem tempo para o mundo, no Cristo que vive em nós sua oblaçab. Esta poderia ser a expressão mais profunda da “verdadeira eficácia apostólica” (redentora ou reparadora) que o texto reconhece em nossa “consagração”, pela vida de uniao à oblaçab de Cristo (27).

373  Esta reflexão um pouco difícil, mas muito profunda e sugestiva, mereceria ser continuada para uma plena compreensão da natureza da oblação e da vida de oblação. Observemos apenas como ela consegue unir estreitamente o movimento do ser, a duração de vida e o seu relacionamento com o tempo e o espaço. Se a vida de oblação é ter tempo, todo o seu tempo, para Deus, o que está em jogo é, justamente, o emprego do tempo. É no tempo de nossa vida, vivida para Deus, que nossa oblação se desdobra, se concretiza, se realiza em “atitudes” ou “disposições” (disponibilidade e solidariedade) e em compromissos concretos de obras e trabalhos diversos. A “graça especial” de nossa oblaçab – em si mesma verdadeiramente eficaz – coloca-nos ao serviço da missão salvífica do Povo de Deus, no mundo de hoje” (27).

4. Disponibilidade e solidariedade

4.1. As palavras

374  Estas duas palavras resumem, em nossas Constituições, as duas atitudes ou disposiçbes concretas de nossa vida religiosa, no tempo e no espaço. Neste sentido, poder-se-ia falar de lei ou norma de disponibilidade e de norma ou lei de solidariedade.

375  A palavra “disponibilidade” aparece em o n. 18, em estreita relação com “a uníao com Cristo em seu amor pelo Pai e pelos homens” (17), segundo a lei da “interioridade recíproca”, formulada no 17. Na escuta da Palavra e na partilha do Pao, a disponibilidade – expressão “em obras e em verdade” de nosso “amor para com todos, especialmente para com os pequenos e os que sofrem” (18) – é também “viver nossa uniao com Cristo”.

376  Esta mesma palavra aparecerá, de novo, em o n. 53, a propósito da obediência de Cristo, modelo da nossa; depois, em 55, onde significa condição de vida comunitária, e, em 85, refere-se à Maria, perfeita imagem de nossa vida religiosa. Enfim, em o n. 144, disponibilidade é a lei de nossa “conversão e renovação permanente”.

377  “Solidariedade” aparece em o n. 10, caracterizando o relacionamento de Cristo com o mundo, na Encarnação; em o n. 22, é usada a propósito de nossa comunhão com Cristo; esta contém uma dupla solidariedade: com Cristo e (nele presente à vida do mundo) com toda a humanidade e criação. Os números 29 e 38 falam desta segunda solidariedade: “A exemplo de Cristo, também nós devemos viver em solidariedade efetiva com os homens” (29); “A nossa profissão dos conselhos evangélicos torna-nos mais solidários com a sua vida (dos homens)” (38).

378  São estes os termos do vocabulário psico-sociológico concernente às relações humanas e sociais. Eles não contém todo o sentido das tradicionais palavras: oblaçab e abandono. Entretanto, como expressão da oblaçab, recebem desta sua significação e seu alcance propriamente teológico, tanto em nosso caso, como no de Cristo. Os termos “disponibilidade e solidariedade” têm a vantagem de concretizar a oblação. Aliás, não houve sempre o perigo, nas antigas Constituições (10-11), de reduzir a oblaçab a “exercícios” ou de fazer dela apenas tema de “consideraçbfes devotas”? Elas, a disponibilidade e a solidariedade, recordam-nos como a oblaçâò se vive “em obras e em verdade” (18).

4.2. A oblação “em obras e em verdade”

379  A disponibilidade é, de certa forma, o desdobramento de nossa vida de oblaçab, no tempo; é colocar a duraçcTo de nosso ser e o emprego de seu tempo à disposição da atenção, da acolhida e do serviço do outro. Estes dois últimos termos (acolhida e serviço) devem ser seguidos ao longo de todo o texto, principalmente, o “serviço”, que se encontra em muitíssimos contextos:

–   n. 10: explicita a obediência ao Pai, pelo serviço do “Servidor” “em prol das multidões”.

–   n. 25 e 34: o serviço do Evangelho, isto é, o dever de evangelizar.

–   n. 27: o serviço da missão; n. 30: o serviço da Igreja.

–   n. 31: nossa adoração como autêntico serviço à Igreja.

–   nn: 48, 50, 51, 52, 54, 55, 56, 61, 62, 70; toda a IV parte se intitula “Serviço da autoridade”.

380  Todo esse serviço depende da disponibilidade e se faz em nome da oblação, que é emprego de tempo, de todo o nosso tempo, no “desempenho de todas as nossas tarefas”, como diz o n. 22 das novas Constituições, ou como diziam nossas antigas Constituições: orationes, labores, doloresque suos Deo in unione cum Sacratíssimo Corde Jesu offerant” (10) . É a nossa própria vida, assumida e vivida em oblaçab reparadora. A própria vida é “retorno de amor”, sob forma de oração, serviço aos irmãos, à Igreja e ao Evangelho. É verdadeira liturgia e sacrifício espiritual (cf. Rom 12, 1 e Ef 5, 2).

381  A solidariedade é, de certa forma, nossa vida de oblação, em seu desdobramento especial, isto é, nas relações com o mundo e com os homens, na e pela uníao â oblação de Cristo, presente na vida dos homens.

382  Solidariedade significa presença, atenção, partilha, colaboração, participação, corresponsabilidade, comunhão. Também estes termos aparecem ao longo de todo o texto, seja a respeito de Cristo (9, 10, 11, 19, 22, 23, 28…), seja para caracterizar nossa relação com o mundo (22, 23, 25, 29…) ou a vida comunitária (67).

383  Nossa oblação, unida à de Cristo, leva-nos a viver o movimento da Encarnação como inserção “no movimento de amor redentor” (21) em solidariedade com Cristo, presente na vida do mundo, e com toda a humanidade e criação (cf. 22); leva-nos também e sobretudo, a viver o sofrimento solitário, suportado com paciência e abandono, pela redenção do mundo. O sofrimento solitário é também solidário (cf. 24).

4.3. Para a comunidade e o apostolado

384  A disponibilidade e a solidariedade devem presidir nossas “orientações apostólicas”, nossos “compromissos” e, portanto, nossa participação na missão da Igreja em suas formas concretas de realização (cf. 30-34). Solidariedade e disponibilidade interessam a própria comunidade e o estilo de nosso apostolado.

385  Em primeiro lugar, disponibilidade e solidariedade caminham sempre de mãos dadas. Nao é possível haver solidariedade sem disponibilidade, nem disponibilidade sem verdadeira e profunda consciência de solidariedade.

386  Tanto no plano comunitário quanto no pessoal, é um exercício, ao mesmo tempo, comunitário e pessoal do “carisma comum”. “A nossa vida comunitária – declara o n. 61 – está ao serviço de uma missão apostólica, segundo a nossa vocação específica. E no cumprimento de tal serviço ela mesma se fortalece”. A propósito da obediência, disponibilidade e solidariedade já se encontram juntas (cf. n. 55). A comunidade deve ser solidária na disponibilidade e disponível para ser solidária com os “homens no meio dos quais vive”, no exercício de sua missão apostólica, do carisma comum ou do projeto comum. Além da oblação pessoal de cada membro, aqui é evocada uma espécie de oblação comunitária, na disponibilidade e na solidariedade. Esta disponibilidade e esta solidariedade não se reduzem à recitação diária e comunitária do ato de oblaçab. Uma comunidade que vive sua oblato, de fato, na disponibilidade e na solidariedade, é uma comunidade missionária e apostólica.

387  Disponibilidade e solidariedade devem caracterizar nosso relacionamento com o mundo e o nosso estilo de apostolado, tornando-nos “atentos aos apelos do mundo” (35-39): “A vida de oblação… leva-nos a procurar… e torna-nos atentos…” (35).

388  Portanto, disponibilidade e solidariedade não se praticam em nome de um “modismo” qualquer de atualização conciliar, muito em voga, hoje em dia, nem em nome de alguma corrente de sociologia religiosa. É, ao contrário, exigência da “graça especial” e do “carisma” de que fala o n. 27.

389  O exemplo do Padre Dehon é muito significativo, mesmo se, em seu caso, a “atenção aos apelos do mundo” tenha precedido sua vocação e sua missão ou, ao menos, a consciência deles. Sua atenção aos “males do mundo” e às “suas causas” (4), depressa, veio ajuntar-se â inspiração da fundação, talvez, de maneira menos explícita, no começo. Uma pesquisa muito interessante pode ser feita a respeito da missão eclesial da Congregação no pensamento do Padre Dehon, ao longo dos anos, na evolução histórica da consciência da Congregado e nos textos oficiais. Sabe-se, em todo caso, que o Padre Dehon encontrou grandes dificuldades, nos capítulos de 1893 e 1896, e que ele, por intuição, manteve a orientação apostólica da Congregação (cf. Denis, Le projet du P. Dehon, pp. 161-182).

390  Sem estudar detalhadamente as expressães dos números 35-39 que, aliás, sao apenas eco das grandes declarares da Gaudium et Spes, assinalaremos o vínculo existente entre espírito, vida de oblação e a “atenção aos apelos do mundo”; esta a tenção supoe e implica informação, estudo, reflexão, colaboração e participação efetiva. Por novo e específico título – o de nossa oblaçàb – somos chamados a assumir as grandes orientaçóes do Concílio e do Sínodo Episcopal de 1971 sobre a integração do trabalho pela promodão humana na evangelização.

391  Enfim, esta vida de oblação – de disponibilidade na solidariedade e de solidariedade na disponibilidade – é e deveria ser, para nós estímulo que nos mantivesse sempre ativos e interessados na visao do mundo, da sociedade e das relações humanas, penetradas do espírito do Coração de Cristo. É uma disponibilidade total e uma solidariedade afetiva (cf. Mt 8,2; 15, 32) e efetiva (cf. Mc 8,6; Mt 15,35-36; Jo 2,7).

392  Assim se estabelece grande coerência entre doutrina e vida sobre o fundamento único da oblação. E nesta oblação, neste “Ecce venio” “conforme dizia o próprio P. Dehon:… encerram-se toda a nossa vocação, a nossa finalidade, o nosso dever, as nossas promessas” (6, citando o DSP I, par. 3).

393  A quarta norma da “atualização”, proposta pelo Concílio a todos os institutos, encontra, assim, em nosso caso, aplicação específica. Por causa de nossa “índole própria” e de nosso “carisma profético”, somos obrigados a ter “um conhecimento adequado quer das condições dos tempos e dos homens, quer das necessidades da Igreja, de modo que, sabendo julgar com retidao as circunstâncias atuais deste mundo de acordo com os critérios da fé e inflamados de zelo apostólico, possam mais eficazmente ajudar os outros” (PC 2d).

5. Tarefas diversas

5.1. Um problema histórico

394  Os números 30 a 34 são, dentro do parágrafo 4 (26-34), uma subdivisão, caracterizada pelas palavras: “tarefas pastorais” (30), “orientações apostólicas” (30), “empanhamentos concretos” (32), “modalidades da nossa inserção na missão da Igreja” (34). De acordo com a terminologia tradicional, trata-se aqui, das “obras”, lugar onde se exerce nossa disponibilidade e nossa solidariedade; e, mais genericamente, lugar de nossa vida de oblação em um união com a oblação de Cristo: “Pelo desempenho de todas as nossas tarefas”, diz o n. 22. “Tudo o que somos, fazemos e sofremos pelo serviço do Evangelho (25).

395  A respeito da orientações apostólicas, o n. 30 das Constituições, faz três declarações:

–   nossa Congregação, sendo, por natureza, um Instituto apostólico, coloca-nos, “generosamente, ao serviço da Igreja nas diversas tarefas pastorais”.

–   A Congregaçab não foi fundada “em vista de uma obra determinada”.

–   Ela, porém, herdou de seu Fundador “certas orientações apostólicas que caracterizam a sua missão na Igreja”.

396  Vislumbram-se aqui duas linhas e duas tendências:

–   a indetermi nação, como consequência lógica da disponibilidade total e da solidariedade com a Igreja e com os homens em todas as suas necessidades, segundo os lugares e os tempos;

–   a determinação. Pelo fato de que nossa oblaçab é uníao com a oblaçab de Cristo – “união com seu Divino Coração”, segundo a expressão do Padre Dehon – as orientações de nosso “zelo”, diz o Diretório Espiritual, de 1919, são as que podem ser “as mais caras ao Coração de Jesus…”.

397  Esta questão foi muito debatida, na 1a. Conferência Geral (1969) e no Capítulo Geral de 1973. Foi tratada, mais brevemente, na 2a Conferência Geral (1976) e na elaboração do texto de 1979 (cf. DOC VIII a XI; tb o artigo do P. Girardi, in Dehoniana 1982).

398  Seria interessante seguir a evolução da questão na história e nos textos da Congregação, e nos escritos do Padre Dehon. Desde o começo, ele sentiu o problema, principalmente nas relações com seu bispo e quando se tratava dos compromissos diocesanos (paróquias, missões, obras diversas…).

399  Leia, a este respeito, a antiga formulação das Constituições de 1906/1924: “Eles se considerarão humildes e devotos auxiliares do clero secular”. Confira também as expressões mais genéricas das Constituições de 1885, nn. 19-21.

400  Desde o começo, porém, certas orientações vinham se esboçando e se afirmando. Elas, pouco a pouco, foram-se precisando até os textos explícitos dos Souvenirs, aos quais remete o n. 31 de nosso texto[3].

401  É preciso considerar o equilíbrio da formulação dos números 30 e 31 que respondem perfeitamente à dupla exigência do espírito de oblação. Dá-se importância às “orientações apostólicas” às quais devem corresponder “os empenhamentos concretos” (32) que serão assumidos, na Igreja universal e local, em comunhão com os responsáveis. Estas “modalidades da nossa inserção na missão da Igreja” permitem-nos “desenvolver as riquezas da nossa vocação” (34).

5.2. Nossas “orientações apostólicas”

402  Padre Dehon, no Diretório Espiritual, determina nossas “orientações apostólicas: “Nós respondemos aos apelos de Nosso Senhor em Paray- le-Monial, às inspirações da graça e aos desígnios da divina Providência” (Introdução). Em outras palavras: respondemos aos desejos e apelos do Coração de Jesus e às inspirações do Espírito Santo, que age nas almas, na Igreja e no mundo.

403  O texto das Constituições explicita estes apelos, numa tríplice atenção:

–   Atenção ao Coração de Jesus, a seu amor e à sua presença, no mundo,

–   atenção “aos homens, especialmente os mais desprotegidos” (5), aos “pequenos e pobres” com os quais “Cristo identificou-se” e “aos quais anuncia a Boa Nova” (28). “A exemplo de Cristo também nós devemos viver em solidariedade efetiva” com eles (28); atenção, também, “aos apelos que o Pai nos dirige através dos acontecimentos pequenos e grandes e nas aspirações e realizações humanas” (35-37).

–   atenção às necessidades da Igreja, esposa e Corpo de Cristo. Para “remediar ativamente as insuficiências pastorais” (5), o pecado e a falta de amor “que enfraquece a Igreja, sobretudo o das almas consagradas” (4 e 7) “pomo-nos generosamente ao serviço da Igreja nas diversas tarefas pastorais” (30).

404  Esta tríplice atenção orienta e determina nossa própria “disponibilidade”. Esta deve ser total, segundo as necessidades dos homens, do mundo e da Igreja. Ela, porém, não é indiferente, mas se inspira, segundo a expressão tradicional, nas “preferências” do Coração de Jesus. Nosso texto exprime isso com palavras e locuções, como: “sobretudo”, “em particular” (cf. 4 e 5), “especialmente” (18). E falando das orientações apostólicas de nossa missão na Igreja, as novas Constituições indicam esta disponibilidade com “nosso serviço de Igreja” (30) ou, melhor, “nossa participação na missão da Igreja”.

405  As antigas Constituições (8) sugeriam “apostolados” ou davam “orientações”. O Diretório Espiritual, no parágrafo sobre o “zelo” (VI par.23) fala de “obras” que devemos “preferir”, como as mais “caras” ao Coração de Jesus: “o auxílio aos sacerdotes, a sua educação, sua santificação, o cuidado das crianças, dos operários e dos pobres”. É um serviço prestado mais diretamente a Nosso Senhor: “Considerarei feito a mim mesmo tudo quanto fizerdes a eles”.

406  Os números 30-34 das novas Constituições correspondem aos números 7 e 8 das antigas. Dividem-se em duas partes:

–   nn. 30-31: tratam das “orientações apostólicas” (não das obras)

–   nn. 32-34: tratam dos “empenhamentos concretos”, das “obras”, a serviço da Igreja universal e local.

407  Seguindo as recomendações e o exemplo do Padre Dehon, quatro grandes orientações apostólicas saò-nos indicadas, em os números 30-31.

408  Nelas facilmente se reconhece a tríplice atenção “aos desejos e apelos do Coração de Jesus”, às suas “preferências” e às necessidades da Igreja e do mundo.

 

409  1. Adoração eucarística – É atenção e uniao com Cristo, em seu sacrifício e em sua presença sacramental. É verdadeiro “serviço de Igreja”, quando feita em “espírito de oblaçab e de amor”. As recomendardes do Padre Dehon quanto á adoração eucarística, sao abundantes e de uma clareza e força particulares: “Sem adoração, nossa Obra não cumpre sua missão” (NQT VI, 24: 1 de março de 1893). “É preciso mantê-la firmemente”, diz ele, em Souvenirs XV. Em seu Testamento Espiritual: “Minha última palavra será ainda para recomendar-vos a adoração cotidiana, a adoração reparadora oficial, em nome da Santa Igreja, para consolar Nosso Senhor e para apressar o reino do Coração de Jesus nas almas e nas nações”. É interessante observar a perspectiva apostólica conferida e reconhecida aqui à nossa adoração (cf. tb. Denis: Le projet du P. Dehon, p. 362; as referências à palavra “adoração”.

410  O tema da Eucaristia volta nos números 80-84. “Fonte e ponto culminante” de “toda a nossa vida crista’e religiosa” (80), a Eucaristia é tratada em conexão com o tema da vida comunitária (cf. At 2,42). As grandes orientações de nossa vida espiritual e apostólica encontram-se aí. Toda a vida do Padre Dehon “exprime-se e concentra-se no sacrifício eucarístico”, transformando-a “numa missa permanente” (5). Fazendo eco ao n. 31, o n. 83 caracteriza a adoração eucarística como “uma exigência de nossa vocação reparadora”.

 

411  2. O ministério junto aos pequenos e humildes, operários e pobres – para anunciar-lhes a insondável riqueza de Cristo. Cristo identifica-se com estes. O vínculo entre esta “atenção aos pobres”, os desejos e o exemplo do Coração de Jesus é sublinhado em Lc 4,18. Em Mt 11,25-26 Lc 10, 21-22, Ele, Cristo, fala de sua “alegria” e de sua “consolação”, por causa dos pequenos e dos pobres. P. Denis, em sua citada obra “Le projet du P. Dehon” (“Apostolado do Padre Fundador”, “Apostolado social do P. Fundador”, “Apostolado da Congregação”) faz numerosas referências aos pensamento, às recomendações e ao exemplo do Padre Dehon, neste ponto.

412  O mais conhecido e o mais explícito texto é o dos Souvenirs XV: “Eu quis também contribuir para o soergui mento das massas populares pelo Reino da justiça e da caridade… Também este trabalho deve ser continuado” (cf. L.C. n. 388). As Oeuvres Sociales do Padre Dehon saio eloquentes neste assunto.

 

413  3. A formação dos Sacerdotes e dos Religiosos – O Diretório Espiritual expressa-se de modo mais genérico: “auxílio aos sacerdotes, a sua educação e a sua santificação” (Via. parte, par. 23). Razões desta orientação: os sacerdotes sao particularmente amados por Cristo e são chamados a amá-Lo, de modo especial, eles são chamados, também, para exercer um ministério, onde a insuficiência ea infidelidade são fraquezas características, na Igreja; porque, enfim, a missão deles está particularmente ligada aos pequenos e pobres (cf. 31)[4].

 

414  4. Atividade missionária – É forma privilegiada de serviço apostólico. Interessa a fidelidade e a vitalidade da Igreja, Esposa de Cristo, na missão que o Senhor lhe confiou. É também uma grande “prova de amor” pelo Senhor; está na linha da vida de amor e de reparação, porque exige mais sacrifício[5].

415  O número 31 refere-se aos Souvenirs onde sao apontadas as obras preferidas e o espírito em que devem ser empreendidas e realizadas. Para o Padre Dehon, tudo se resume na grande obra de apostolado: “levar os padres e os fiéis para o Coração de Jesus”. É um apostolado – acrescenta ele – que deve ser continuado, ampliado e intensificado… (Souvenirs XI, LC 386).

416  O tema e o problema das “orientações apostólicas” são, em todo caso, particularmente importantes para a identidade e a vitalidade da Congregaçab como “Instituto apostólico” que tem um “ideal espiritual” (espiritualidade) “reconhecida pela Igreja” (26) e quer corresponder a sua vocação de “fazer frutificar esse carisma (do Fundador), segundo as exigências da Igreja e do mundo” (1).

5.3. Nossos “compromissos”e nossas “obras”

417  Os números 32-34 das Constituições – Código Fundamental – remetem para os Diretórios Provinciais este assunto. Eles devem dar as determinações concretas e fazer as adatações necessárias, de acordo com as circunstâncias de lugares e tempo, levando em consideração as necessidades locais.

418  Três diretrizes ou critérios gerais sao lembrados:

  1. comunhão com a vida da Igreja e, particularmente, com os responsáveis pelas Igrejas locais (32-34);
  2. atenção aos sinais dos tempos… segundo os tempos e os lugares (32);
  3. adequação às orientações apostólicas indicadas (32), com uma atenção particular aos ministérios de evangelização missionária (33).

419  Estes “compromissos” estas “obras” devem ser consideradas e devem ser, realmente, “modalidades da nossa inserto na missão da Igreja que nos permitam desenvolver as riquezas da nossa vocação” (34) e de realizar, assim, a unidade da vida religiosa, na dupla dimensão complementar de vida espiritual e apostólica.

420  As breves indicações fornecidas pelas Constituições correspondem às orientações conciliares. Os documentos aparecidos depois do Concílio, de modo especial, Mutuae Relationes completarão e desenvolverão este assunto.

6. Para a gloria e alegria de Deus

421  Esta expressãb do n. 25, fechando o parágrafo sobre nossa “vida espiritual” (II par. 3, nn. 16-25) é uma bela conclusãb das reflexões sobre nossa “missão apostólica”, nossa “participação na missãb da Igreja no mundo de hoje” (26-39) e “nossa vida religiosa de Padres do Coraçãb de Jesus”. Com efeito, ela dá à conclusãb do n. 39, que fala do “testemunho profético… no advento da nova humanidade em Jesus Cristo”, sua última perspectiva e sua mais profunda significação.

422  É assim, também, no grande texto de Ef 1,3-14, em que a fórmula “para o louvor de sua Gloria” sublinha, fortemente, por três vezes, a doutrina, segundo a qual todo o mistério revelado, toda a vida do Apóstolo e do cristão devem servir para o puro louvor e o puro amor de Deus.

423  Pode-se dizer, também, que é uma belíssima expressão da lei essencial de nossa vida de padres do Coração de Jesus: a lei do puro amor, particularmente preconizada e comentada pelo Padre Dehon.

424  Seria necessário um volume para esclarecer o uso que o Padre Dehon faz desta expressão e para compreender sua predileção e sua convicção por ela, a ponto de chegar â fórmula, já anteriormente citada, que surpreende, de inicio, mas que é verdadeira: “O puro amor, aí está a salvação da Igreja e do povo; é isto que resolve toda quesfao social” (CF II, 45-47)[6].

425  As novas Constituiçóes não usam a expressão “puro amor”, mas a “lei” está presente ao longo de todo o texto, nas expressões que marcam o radicalismo e a exigência absoluta deste amor cuja presença ativa nós experimentamos em nossa vida (cf. 9,14,25). O vocabulário do Diretório Espiritual (puro, tudo, nada, absolutamente, extremamente…) e a explanação que ele faz do puro amor e da pureza deintenção(cf. I, par. 2 e 5; VI par. 3 e 12) são mais impressionantes, mas as novas Constituições não são menos exigentes, falando da santidade, da caridade perfeita (13, 14) e do compromisso “sem reserva”, em vista de um verdadeiro “testemunho profético”.

426  É muito frequente, nas Constituições, a fórmula “pelo Pai e pelos homens” (3,6,10,14,17,23,25), usada quer em relação ao amor de Cristo, quer em relação ao nosso amor e â nossa oblação. Também aqui é preciso compreender a teologia da caridade, do único ágape e do único amor. l\íão há nem dualismo nem paralelismo nem dicotomia; é a dialética do amor cristão. O amor de Cristo pela humanidade tem seu princípio e seu fim no conhecimento mútuo do Pai e do Filho (cf. Jo 10, 15). Seu amor pelos homens e sua solidariedade com eles são expressões de seu puro amor ao Pai. A Igreja vive e realiza seu amor de Esposa de Cristo em sua missão e em seu serviço pela humanidade. Nesta mesma linha também, nossa misáão e nossa a^o apostólica podem e devem ser ação e vida de puro amor: o advento da nova humanidade para a glória e alegria de Deus.

427  Nesta perspectiva, tem sentido a insistência de nossas Constituiçães sobre a referência ao mundo, aos homens, à humanidade, às multidões etc. Não é, naturalmente, a perspectiva do Diretório Espiritual – bem mais ascético e voltado para o interior. Pode-se, no entanto, afirmar que as novas Constituições, centrando tudo na uniao ao amor e à oblaçab de Cristo, estao bem na linha de profunda fidelidade dinâmica, sob a lei do puro amor.

428  A grande lei de nossa vida – ao menos como ideal colimado, ideal de caridade perfeita à qual fazemos profissão de tender (14) – é o puro amor ou, na curiosa expressão de Santa Margarida Maria a “unidade na pretensão” (“prétention”). Esta “tensão” – a “épectase” evocada em relação ao Padre Dehon (cf. Cst II, 3) – é a nova lei do amor: tensão contínua na própria posse; tensão da qual falava S. Paulo aos Filipenses: “Alcançado por Cristo, vou prosseguindo para ver se o alcanço” (Fil 3,12).

429  As Constituições assinalam esta tensão, multiplicando as palavras: “apelo”, “busca”; convidando-nos a descobrir “cada vez mais”, “e sempre mais” (17), em vista de uma uníao que deve se fortificar e se renovar, continuamente. É a lei do compromisso, sem reserva, de que fala o n. 39, condição e expressão de nosso “testemunho profético”, no advento da nova humanidade “Para a glória e a alegria de Deus”.

[1] Consulte a esse respeito os grandes documentos conciliares Lumen Gentium e Gaudium et Spes”. A respeito do relacionamento vida religiosa/igreja consulte também: LG 44, Ecclesia Caritatis 1-2, Mutuae Relationes.

[2] Padre Carminati, em seu estudo sobremos primeiros capítulos das Constituições dá orientações para reflexão e apresenta sugestivos textos (cf pp. 38-50).

[3] A este respeito, consulte-se também o estudo do Padre Denis: Le projet du P. Dehon – in STD n. 4; índice: Apostolado da Congregação

[4] São muito numerosas as declarações do Padre Dehon a respeito desta orientarão apostólica e da reparação sacerdotal de sua Obra (cf. in: Denis, referências às palavras: “reparação” e “sacerdócio”: CF, p. 259, sob os verbetes “padres” e “almas consagradas”.

[5] Cf. LC, 162, 326 e Souvenirs XII, LC 390; Denis, o.c. sob os verbetes “misáões no estrangeiro”.

[6] Cf. Denis: Le projet du P. Dehon – “Amor – puro amor”.

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