O seminário teológico de Clairefontaine, realizado de 6 a 8 de agosto de 2025 por ocasião do centenário da morte do Padre Dehon, explorou seu legado social por meio de uma hermenêutica de seus textos.
O Centro Espiritual de Clairefontaine
Esse foi o título dos dias de reflexão teológica que antecederam a celebração do centenário da morte do Padre Dehon. O seminário foi realizado em Clairefontaine, na fronteira Bélgica-Luxemburgo, um local histórico para nós, Dehonianos, pois o centro de acolhimento de Clairefontaine é a comunidade mais antiga da congregação ainda em atividade. Historicamente, esse local foi adquirido pelo nosso fundador em 1889, onde ele fundou uma escola apostólica destinada a formar os futuros membros da congregação. Os alunos concluíam os estudos secundários antes de entrar na vida religiosa. Esta escola funcionou até 1986, formando numerosos religiosos, membros do clero e personalidades do mundo intelectual e cultural.
O seminário contou com a participação não apenas do Superior Geral e de alguns membros de seu Conselho, mas também de representantes de outras províncias SCJ ao redor do mundo. A calorosa recepção dos irmãos de Clairefontaine, que inclusive buscaram os participantes no aeroporto de Luxemburgo ou na estação de Arlon, reforçou o espírito do “Nós Congregação”. Os dias foram divididos entre oração, especialmente a Eucaristia, momentos de reflexão, refeições e, principalmente, encontros amigáveis durante os aperitivos e pausas para café. Um agradecimento especial ao diretor do centro, Padre Antoine Do, ao Superior Jean-Jacques Flammang e a todos os membros da comunidade de Clairefontaine pela hospitalidade, bem como à Comissão Teológica Europeia por coordenar os trabalhos.
Os Trabalhos
O seminário, centrado no legado social do Padre Dehon durante o último século, seguiu uma abordagem particularmente original, dando importância para que os participantes descobrissem o Padre Dehon por meio de seus textos. Esta análise hermenêutica foi precedida pelas apresentações dos diferentes palestrantes, cujo papel era introduzir os participantes à leitura dos textos. Os idiomas utilizados foram francês e inglês.
Dia 1: Democracia e Crises da Democracia
O primeiro dia abordou a democracia e suas crises, especialmente no Ocidente. Antonio Teixeira, da província da Venezuela, apresentou “O discernimento político do Padre Dehon no contexto da Terceira República”. Esta apresentação introduziu os participantes a uma série de cartas datadas entre dezembro de 1887 e março de 1899 sobre Étienne Lamy, um político francês da época do Padre Dehon, que estabeleceu alianças para garantir a confiabilidade da democracia cristã. A hermenêutica dos textos permitiu descobrir o Padre Dehon não como um “homo politicus” per se, mas como alguém que desempenhou um papel sutil na implementação da Terceira República através de sua correspondência.
A segunda conferência, de Marco Bernardoni, atualizou os participantes sobre a crise democrática contemporânea no Ocidente através do conceito de populismo. A democracia tal como é vivida hoje no Ocidente é desafiada por grupos que consideram que a forma atual não atende mais às suas aspirações, fenômeno acompanhado pela infocracia (sistema de poder baseado no controle da informação) e pela infodemia (excesso de informações verdadeiras ou falsas).
Dia 2: “Ide ao Povo” – Papa Leão XIII
O segundo dia focou na famosa exortação do Papa Leão XIII: “Ide ao Povo”. A conferência de John Van den Hengel apresentou não apenas o contexto em que surgiu essa expressão, mas também seu desenvolvimento e como o Padre Dehon foi seu intérprete. A segunda conferência, ministrada por Michel Simo Temgo, tratou de “‘Ide ao Povo’ como Igreja em saída: Como ser discípulo missionário hoje”. Baseando-se em quatro documentos do Magistério — Documento de Aparecida, Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, Encíclica Laudato Si e Nota Antiqua et Nova — Michel apresentou a origem do conceito de discípulo missionário, seu desenvolvimento sob os papas Francisco e Leão XIV, e os desafios que o discípulo missionário enfrenta hoje. Ele destacou a urgência da Igreja em ir às periferias e a necessidade de os Dehonianos repensarem sua missão no contexto atual diante de diversos desafios, especialmente a Inteligência Artificial. Não deveria ser desenvolvida uma “teologia das pontes” baseada no diálogo e no encontro, como promovida pelos Papas Francisco e Leão XIV?
Dia 3: O Reino de Deus
O terceiro e último dia focou no tema do Reino de Deus. Krzysztof Napora, inspirado no primeiro volume do livro do Cardeal Ratzinger Jesus de Nazaré: Do Batismo no Jordão à Transfiguração, explorou como esse conceito está enraizado no Antigo Testamento e se desenvolve através do Novo Testamento, identificando Jesus com o Reino de Deus.
A última conferência do seminário, ministrada por Jakub Bieszczad, tratou de “A ideia do Reino como vetor de comunicação entre as dimensões mística e social do legado espiritual de Padre Dehon”. O Reino foi apresentado como uma possível convergência entre o legado social e espiritual de Dehon, com atenção especial ao conceito de reparação.
As sessões plenárias permitiram apreciar as diferentes intervenções e realizar um trabalho hermenêutico sobre os textos. Todas as apresentações serão publicadas em breve na revista Studia Dehoniana.