Por ocasião do 100º aniversário da morte do seu fundador, Léon Dehon, os Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus não se contentam em olhar para trás, mas questionam-se sobre o significado da sua missão hoje. Entrevista com o Superior Provincial da Alemanha, Padre Stefan Tertünte SCJ, sobre o legado político e espiritual de Dehon, o poder do encontro e a inteligência do coração.
Qual é a primeira coisa que lhe vem à mente quando pensa em Léon Dehon?
Padre Stefan Tertünte SCJ: O que aprecio em Dehon depende sempre da minha situação pessoal ou da situação mundial. Acho admirável o político que ele foi, um Homo politicus até ao fim. Considero que é um exemplo muito estimulante e positivo, sobretudo hoje, inclusive para nós, Dehonianos. Não devemos perder esse interesse, esse compromisso e essa sensibilidade, e não nos focar apenas em compromissos puramente espirituais. Numa época em que há tanta agitação política e tantas mudanças preocupantes na forma de fazer política e de tomar decisões, considero isso ainda mais importante. Estou grato por o nosso fundador nos ter dado esta linha de conduta: Mantenham-se vigilantes em matéria política!
Como se traduz isso?
Dehon sabia claramente que a política era uma questão de valores cristãos. A política deve criar as condições para uma vida digna para todos os seres humanos. Na sua época, isso aplicava-se principalmente aos operários e às suas famílias.
Como é que a reivindicação política de Dehon se conecta com a sua experiência de fé, com a sua imagem de Jesus?
Essa é uma pergunta que sempre nos colocamos. O compromisso político estava nos genes de Dehon. Faz parte do seu ADN familiar, que ele explicitamente assumiu e viveu. Mas a fé também lhe foi transmitida – uma fé cristã que está intimamente ligada ao encontro. E esse é o nosso objetivo até hoje. Quando estamos em adoração em silêncio diante do Santíssimo Sacramento, são momentos de encontro, um encontro procurado, esperado, que não pode ser exigido, mas que é dado. Dehon usa uma expressão própria para isso, que está ainda mais ligada à nossa identidade atual: a união. A união é um prolongamento do encontro. Para Dehon, como para nós hoje, isso significa agir com Cristo e como Cristo – empenhando-se pelos excluídos, os pobres e as pessoas discriminadas.
O Padre Dehon vai ainda mais longe com o seu versículo bíblico favorito da Epístola aos Gálatas: «Já não sou eu que vivo, mas Cristo vive em mim». Qual era o significado deste versículo para Dehon e o que significa para a autocompreensão dehoniana?
Quando penso no Padre Albert Bourgeois, sexto Superior Geral da Congregação, que coescreveu a nossa Regra de Vida, tenho sempre em mente que, através da contemplação e da ação, criamos espaço para que a ação de Cristo em nós se opere, para que Ele esteja a trabalhar quando nós estamos a trabalhar. O nosso encontro com Jesus não tem como consequência que Ele cresça e nós, em contrapartida, encolhamos e desapareçamos, mas que nos desenvolvamos e amadureçamos com Ele e segundo o Seu sentido. É por isso que o nosso compromisso não consiste em executar tarefas, mas, como também diz a Regra de Vida, em participar verdadeiramente na obra de Redenção de Cristo.
No entanto, ainda há um longo caminho entre uma experiência de fé tão intensa e a fundação de uma ordem. Qual foi o momento decisivo ou a motivação que levou Léon Dehon a dar um passo tão importante?
Houve essencialmente dois pontos: Dehon sabia que não podia gerir e continuar sozinho as tarefas que tinha começado com a escola e o patronato para os jovens operários em Saint-Quentin. O mesmo se aplicava à sua vida espiritual. É por isso que se esforçou muito cedo para formar uma comunidade de sacerdotes que se apoiassem mutuamente através da oração. Ele não queria continuar sozinho e procurou uma forma para isso no início. Esse foi o impulso inicial para a fundação da Ordem.
No final do século XIX, um número incrível de comunidades religiosas foi fundado. Foi fácil?
Não foi fácil. Talvez tenha sido fácil ter a ideia. Houve uma verdadeira explosão de fundações de ordens nessa época, a grande maioria das quais já não existe hoje. Mas precisamente por causa da multidão de fundações, a Santa Sé examinou legitimamente de forma crítica quão substancial e duradoura era cada uma. Dehon também foi confrontado com perguntas críticas. E isso era completamente normal para que o que ele tinha começado pudesse desenvolver-se com boa qualidade.
Como pôde Dehon superar as dificuldades? Ele também não sabia o que resultaria disso no final.
Não, mas Dehon colocava sempre a questão fundamental: É a vontade de Deus ou apenas a minha vontade? Essa era uma questão vital para ele. Diante de todos os desafios possíveis, ele não se baseou apenas no que podia fazer com as suas qualidades e competências, mas sempre se lembrava: Sou “apenas” eu, ou é a Tua vontade, ó Deus? Alguns interpretaram isso como uma fraqueza de liderança. Mas trata-se mais do facto de que esta questão o ajudou a assumir as suas decisões e as suas ações. E assim, com o tempo, ele tornou-se cada vez mais certo de que a sua fundação era abençoada por Deus – com todas as suas fraquezas e os seus erros. E é por isso que ele pôde perseverar com tanta tenacidade contra todas as resistências.
O que caracteriza um Dehoniano em 2025?
Um Dehoniano na Alemanha faz parte de uma comunidade colorida e de composição internacional, que está atualmente a refletir sobre como podemos avançar para o futuro nesta diversidade e diferença. Esse é um tópico importante para nós neste momento. Em diferentes níveis e de forma sinodal, perguntamo-nos: O que podemos e queremos ser daqui a dez anos? Além disso, estamos numa época em que é bom para os Dehonianos redescobrir e cultivar mais o seu lado contemplativo. Penso que é muito importante e salutar procurar e cultivar esse encontro intenso no silêncio. Mas também me parece importante, nesta época, que nos comprometamos mais claramente a favor de uma cultura democrática, que nos é dada pela estrutura da nossa Ordem. Poderíamos então beneficiar ainda mais do facto de que, numa época marcada por tanta migração, a nossa província religiosa também seja marcada pela migração.
Quais são três aspetos essenciais da identidade dehoniana? O que é verdadeiramente central? O que distingue os Dehonianos de outras ordens?
Muitas vezes, a identidade é algo que 90% dos outros também podem ter. Portanto, o cerne da nossa espiritualidade é a busca e o cultivo do encontro: o encontro com Deus, o encontro comigo mesmo e o encontro com os confrades e outros seres humanos. Estes encontros acontecem tanto na igreja diante do Santíssimo Sacramento em adoração, como ao responder às necessidades muito concretas das pessoas com quem vivemos. O símbolo do coração é-nos dado. Encoraja-nos a ter em conta a inteligência do coração. Há coisas que o coração entende melhor do que a razão. Devemos deixar-nos tocar pelo coração por aquilo que experimentamos à nossa volta e pelo que acontece neste mundo. E não devemos sempre responder de forma puramente racional, mas falar também com o coração. Encontraremos as respostas mais fortes para as perguntas mais difíceis se nos deixarmos tocar pelo Coração de Jesus.
Como se torna alguém inteligente com o coração; é preciso aprendê-lo?
O coração, como órgão de perceção e fonte de decisões e compromisso, deve de facto ser educado. Quando estamos sentados em silêncio diante do Santíssimo Sacramento em adoração, é também um exercício de mindfulness, no qual silenciamos muitas vozes e abrimos as nossas antenas interiores para ouvir e sentir o que é importante agora. É por isso que acredito que a Espiritualidade do Sagrado Coração e a inteligência do coração estão intimamente ligadas ao mindfulness e ao desejo das pessoas de uma atenção total.
Que exemplo dehoniano muito concreto ilustra o que a Espiritualidade do Sagrado Coração quer e pode realizar?
Espontaneamente: 1000 estudantes e professores do Leoninum em Handrup formaram uma pomba da paz humana
durante o Dia Dehon – é exatamente isso! É uma declaração política a favor da paz e um sinal de que devemos comprometer-nos juntos. E se também pudermos contribuir para que comunidades escolares inteiras reflitam sobre isso, tem o potencial de se tornar um clássico dehoniano.
Se tivesse que dizer aos jovens numa frase por que vale a pena ser Dehoniano – qual seria essa frase?
Com a nossa espiritualidade e a nossa forma de vivermos juntos, também oferecemos aos jovens uma oportunidade muito bonita de procurarem com outros para o que Deus os chamou nas suas vidas. Fazemo-lo na diversidade das nossas comunidades, na diversidade dos nossos compromissos e na intensidade da nossa piedade. Bem, são duas frases…







