Recentemente muito se tem ouvido falar da questão indígena no Brasil. P. Belmiro Rauber nos fala um pouco desse cenário atual.
Faz 520 anos que os portugueses descobriram o Brasil. São quinhentos e vinte anos de resistência dos povos indígenas. Como foi no começo? Leiamos a carta de Mem de Sá, Governador Geral do Brasil em 1560, contando seus feitos como façanhas ao Rei de Portugal:
“Na noite em que entrei em Ilhéus fui a pé dar em uma aldeia que estava a sete léguas da vila… E a destruí, e mais todos os que quiseram resistir. Na vinda fui queimando e destruindo todas as aldeias que ficaram para trás. Então se ajuntavam e vieram me seguindo ao longo da praia outros gentios. Lhes fiz algumas ciladas e os forcei a jogarem-se no mar… Mandei outros índios reunirem os corpos e coloca-los ao longo da praia, em ordem, de forma que tomaram os corpos (alinhados) perto de uma légua…” (Prezia & Hoornaert, Brasil indígena: 500 anos de resistência).
Seis quilômetros de praia cobertos pelos corpos dos índios assassinados em uma única noite. Retrato da violência que marcou esses 500 anos e que se pratica ainda hoje de diferentes maneiras: através de invasões dos territórios indígenas, das perseguições e assassinatos de suas lideranças, de construção de grandes projetos (hidrelétricas, rodovias, hidrovias etc.) em suas áreas, de roubo dos recursos da biodiversidade e de conhecimentos indígenas, de ecoturismo que desrespeita seus espaços de vida. Todas essas formas de violências são ramificações de uma mesma política de um modelo equivocado de desenvolvimento (cf. Manual da Campanha da Fraternidade, ano 2002, p. 62).
No dia 26 de abril de 2000, durante a celebração da missa em Coroa Vermelha e que marcou os 500 anos da chegada dos portugueses, o jovem Matalauê Pataxó fez um comovente depoimento:
“Quinhentos anos de sofrimento, de massacre, de exclusão, de preconceito, de exploração, de extermínio de nossos parentes, ocultamento, estupro de nossas mulheres, devastação de nossas terras, de nossas matas, que nos tomaram com a invasão. Estamos de luto. Até quando? Vocês não se envergonham dessa memória que está na nossa alma e no nosso coração? Nós vamos recontar essa história por justiça, terra e liberdade” (CIMI e APOINME, Conferência dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil, p. 15).
Em 1972 foi criado o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), organismo anexo à Conferência Nacional do Bispos do Brasil (CNBB). Coube ao CIMI, em nome da Igreja Católica, atualizar a presença missionária entre os povos indígenas, assumindo um novo e amplo conceito de missão, enquanto processo que visa à articulação dos povos indígenas, à sensibilização da sociedade nacional e à redefinição de métodos e objetivos da própria ação e presença missionária.
São muitas as experiências evangelizadoras entre os povos indígenas que procuram descobrir com alegria as sementes da revelação, compreender e respeitar o que há de bom e purificar o que está em desacordo com o Evangelho. É a Igreja inculturada, que busca entrar em diálogo de salvação com as culturas indígenas, vibrar e sentir as maravilhas do Senhor, mesmo proclamadas em línguas desconhecidas (cf. At 1,8).
Esta visão de inculturação gera a solidariedade e o compromisso com as lutas do povo, seus problemas e a busca de soluções, suas alegrias e conquistas, contribuindo para gerar as condições para a liberdade e a autonomia. Assim se expressam os índios nas conclusões do documento do 3º Encontro de Teologia Indígena, realizado em Cochabamba, Bolívia, em 1997:
“Propomos que o missionário cristão, ao chegar a uma cultura indígena, passe pelo processo de inserção; que compreenda e assimile os valores, a cosmovisão e as expressões religiosas para assim descobrir nas culturas a manifestação de Deus. Porque inculturação é diálogo entre o Evangelho e as espiritualidades indígenas” (cf. Manual da Campanha da Fraternidade, ano 2002, p. 64-65).
Panorama atual
O relatório “Violência contra Povos indígenas do Brasil, dados de 2019” reitera o retrato de uma realidade extremamente perversa e preocupante nos primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro na Presidência da República. A intensificação das expropriações de terras indígenas, forjadas na invasão, na grilagem e no loteamento, consolida-se de forma rápida e agressiva em todo o território nacional, causando sua destruição inestimável. As áreas em que mais se protegem as matas e seus ricos ecossistemas são aquelas onde historicamente há a presença destes povos.
O Supremo Tribunal Federal
Num contexto em que os ataques do Governo Federal ameaçam os direitos indígenas e, no Legislativo, projetos e bancadas contrárias aos povos indígenas se sobressaem, os olhares e as esperanças de garantir que os direitos institucionais dos povos indígenas não sejam desfigurados se voltam ao Supremo Tribunal Federal (STF).
O STF poderá assim dar uma solução definitiva aos conflitos envolvendo terras indígenas no país e garantir um respiro às comunidades que se encontram atualmente pressionadas por poderosos setores econômicos. Está em andamento no STF o processo de repercussão geral que discutirá a demarcação das terras indígenas no Brasil.
O ministro Edson Fachin, no âmbito do processo de repercussão geral, do qual é relator, suspendeu todos os processos judiciais que poderiam resultar em despejos ou na anulação de demarcações de terras indígenas até o fim da pandemia. A demarcação das terras indígenas e o respeito a estes povos e suas culturas são problemas de todos nós.