05 julho 2023
05 jul. 2023

Entrevista com o Superior Geral

O Coração de Jesus, como nos disse muito bem o nosso Fundador, continua a ser o nosso grande tesouro. O tesouro, donde podemos tirar coisas antigas e novas (cf. Mt 13,52), na tradição e na novidade, donde saber aprender a crescer nas relações que, hoje, o nosso mundo nos exige de abertura, de convivência"

por  Ricardo Freire, scj

email email whatsapp whatsapp facebook twitter versão para impressão

Não é a primeira vez que o Padre Carlos Luís Suárez visita a Província Portuguesa. Já noutras ocasiões teve a oportunidade de estar em Portugal. Apesar de ter sido na Venezuela que passou grande parte da sua vida como religioso dehoniano, é originário das Ilhas Canárias (Espanha). Já teve a oportunidade de proferir conferências em atos académicos, valendo-se da sua formação de reconhecido biblista, especialista do Antigo Testamento. Desta vez, recebemo-lo como Superior Geral da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos), eleito em 2018. E está entre nós para realizar a visita canónica.


Quem é o Superior Geral e qual a sua missão?

O Superior Geral é um membro da Congregação, que foi escolhido para ajudar a viver na comunhão e na fidelidade ao carisma que recebemos do nosso Padre Fundador. Para realizar esta missão conta com a colaboração próxima dos seus conselheiros, também eles escolhidos pelo Capítulo Geral, e com a oração dos religiosos e de tantas pessoas que acompanham o nosso serviço e a nossa missão.

E no seu caso, pessoalmente, como desempenha a missão?

Pessoalmente, tento vivê-la como uma parte do caminho que vou fazendo como discípulo, do meu caminho como cristão. Entendo que uma história que começou há 57 anos e que, num momento determinado, me levou a dar uma resposta na vida consagrada e que, agora, passa por esta maneira de acompanhar a vida da nossa Congregação.

Pelo menos no meu caso, o Superior Geral não é aquele que mais conhece sobre o Padre Dehon, nem o que vive melhor a vida religiosa, mas é alguém que entende que, dentro da nossa realidade, recebeu uma confiança para todos nos ajudemos a centrar a vida num carisma que não nos pertence, mas que temos de acolher e servir.

Foi eleito em 2018 para este cargo, que tem vindo a desempenhar. Como descreve estes anos?

Sob o sinal da alegria… Tem sido uma alegria poder encontrar-me com tantos irmãos, conhecer situações, colaboradores, lugares que são um testemunho de fidelidade ao Evangelho. Que são pessoas que trabalham, que lutam, que procuram, que sonham. E isso é uma alegria, poder reconhecê-lo.

A par da alegria, há também um sentimento de nem sempre saber como solucionar algum problema, de nem sempre ter uma ideia para dar, de poder contribuir com algo que os outros esperam.

Podemos dizer que o sofrimento faz parte da missão do Superior Geral da Congregação? No sentido de sofrer com quem sofre…

Claro! É experimentar algo muito humano: não sabemos tudo, não podemos tudo… É descobrir o limite. E isso pode ser uma experiência fascinante, na medida em que me ajuda a pensar no outro como alguém necessário, ou então pode ser vivido como uma frustração. Portanto, neste caso, depende muito de como se enfrenta isto.

O Papa Francisco marca pelo seu carisma e deixa uma marca indelével na Igreja e na sociedade. Há lugar para um contributo dehoniano nesta era da misericórdia, como prega o Papa atual?

Sem dúvida. Já quando o Santo Padre publicou a Encíclica Fratelli tutti (3 de outubro de 2020), lembro-me que escrevemos uma carta à Congregação onde chegávamos a dizer que parecia que a Encíclica tinha sido escrita por um dehoniano. Por sentimentos. Por expressões. Porque sintoniza perfeitamente com uma espiritualidade que recebemos do Padre Dehon e, sobretudo, com aquilo que nós mesmos entendemos como a espiritualidade que nasce do Coração de Cristo. Não significa que fiquemos pelo Papa Francisco, mas nele reconhecemos alguém que nos ajuda a viver o Evangelho, que, para nós, deve estar sempre no centro, como aquilo que permanece. E tudo o que forem ajudas para abrir a vida, o coração, a comunidade ao Evangelho é sempre bem-vindo.

Em 2025, celebraremos o jubileu do centenário da morte do Padre Dehon. O que significam estes cem anos sem a presença física do Fundador, viver do seu carisma hoje? 100 anos depois o Padre Dehon continua atual?

Eu pergunto-me como, muitas vezes, fazem com algum egoísmo os familiares, quando lhe falece algum ente querido: «E que me deixou?». Uma pergunta sobre a herança: onde está a minha parte?

Creio que o centenário deve, efetivamente, levar-nos a esta pergunta: «Onde está a minha herança?», mas no sentido de nos questionarmos sobre o que vou fazer com essa herança. Ou como vou acolher a parte que me toca. Portanto, penso que o centenário deve ser vivido como um grande questionamento sobre o que fizemos ao longo destes 100 anos com o legado que nos deixou o Padre Fundador: como estamos a vivê-lo, a partilhá-lo, a aprofundá-lo? Como estamos a atualizá-lo para a nossa realidade?

Fixemo-nos no aspeto particular da reparação. O que pode ser na atualidade a reparação ao modo do Padre Dehon?

A reparação há de ser sempre, para nós, um elemento central da nossa espiritualidade. Reparação e amor. Que são elementos, talvez uma hendíadis, duas maneiras de dizer uma mesma realidade. Entre a reparação e o amor há um vínculo indissolúvel. Não podemos separar um do outro: repara quem ama e só permite ser reparado aquele que se deixa amar. Penso que é nesta dinâmica que entramos nós como Congregação.

Por isso, recuperar ou voltar sempre a pensar o nosso carisma da reparação significa entrar nessa dinâmica de nos deixarmos amar mais, de nos deixarmos renovar pelo amor de Cristo e, ao mesmo tempo, sentir que esse amor precisa de ser reconhecido.

Um destes dias, quando visitava um dos nossos irmãos numa das nossas comunidades, mais precisamente em Aveiro, perguntei-lhe o que significa para ele ser dehoniano, ao que me respondeu: «Dehoniano é aquele que apanha que Deus é amor». Gostei muito desta expressão, de próprio verbo um pouco insólito «apanhar» com toda a força; trata-se de agarrar algo com toda a força. Só assim entraremos na dinâmica da reparação, porque se o grande reparador é o próprio Deus é porque ama profundamente. Deus é a maior experiência de um amor partilhado e oferecido. E é aí que temos que encontrar-nos.

Ao longo de um mês, pôde visitar todas as comunidades da Província Portuguesa: desde a presença mais antiga, do Colégio Missionário Sagrado Coração, fundado em 1947, até à mais recente, na zona pastoral do Barreiro, em Setúbal, agora com quatro anos. Há esperança para os Dehonianos em Portugal?

Eu diria que os Dehonianos são uma esperança para Portugal, que os Dehonianos somos uma esperança para a Igreja, na medida em que formos fiéis ao carisma que recebemos e que soubermos ser testemunhas fiéis do Evangelho. Nesse sentido, creio que a Província de Portugal tem religiosos magníficos, desejosos de exprimir muito do que vivem como cristãos, como pessoas consagradas, nas opções apostólicas que assumiram.

A Província tem uma boa média etária, tem um número significativo de religiosos muito ativos. E isso é sempre motivo de esperança. Mas na medida em que permanecermos fiéis às nossas raízes e ao que a Igreja nos confiou.

Nestes dias pôde identificar desafios que gostaria de lançar à Província Portuguesa?

O primeiro desafio é saber oferecer a nossa vida…

Isso é o centro. Porque somos “Oblatos”…

Exatamente. Saber oferecer a nossa vida significa sair de egoísmos, sair de projetos exclusivamente pessoais, sair de isolamentos, descobrir mais o trabalho em equipa. Por exemplo, em relação ao vosso trabalho na pastoral paroquial, eu não tenho intenção de dizer-vos que deixem o trabalho paroquial; prefiro dizer: «trabalhem mais em equipa».

Creio que essa é a chave… Em tudo o que estivermos a fazer, no que descobrimos como opções apostólicas, o que deve estar com isso é um compromisso de comunidade.

Podemos dizer que redescobrir a comunidade é o grande desafio?

É sem dúvida um deles. Um bastante grande.

E a comunidade não apenas como um lugar de residência, mas como um lugar onde fazer vida, um lugar onde sonhamos e partimos juntos para partilhar aquilo que somos. E cada um de nós deveria sempre dar a imagem de que somos expressão de um projeto de uma comunidade que se compromete nas diferentes tarefas que se vão assumindo.

O Padre Dehon deixou-nos um legado espiritual que é válido não só para nós, religiosos, mas também para outras pessoas que fazem parte da Família Dehoniana. O Superior Geral dos Dehonianos tem um sonho para esta Família Dehoniana como este conjunto alargado de todos aqueles que se deixam inspirar pelo Padre Dehon?

Sim. E creio que, neste campo, Portugal pode ajudar muito a Congregação, porque já teve a experiência de acompanhar grupos bastante significativos da Família Dehoniana, seja na dimensão missionária e no voluntariado, em grupos de oração, de formação. Penso que a Província Portuguesa trabalhou bastante bem esta dimensão de descobrir com outros o que significa o carisma dehoniano.

Significa que a Família Dehoniana tem importância, não apenas como expansão dos Dehonianos, mas pode também contribuir para que os religiosos da Congregação entendam de forma mais profunda o carisma do Padre Dehon?

Claro. Absolutamente. O religioso dehoniano tem uma maneira de viver o carisma e pertence à Igreja. O carisma é propriedade da Igreja, é um dom da Igreja, um dom do Espírito para a Igreja. Mas nós, Dehonianos, não somos os proprietários.

Então, a partir de outras dimensões da vida cristã, muitas pessoas ajudam-nos a ver a riqueza do carisma, vivido na família, na sociedade, nos serviços que tantas pessoas desempenham. Creio que o que temos que fazer é sempre apoiar-nos e admirar-nos nas múltiplas facetas deste carisma que – diria eu – apenas acabámos de descobrir. Ele tem sempre algo mais a dizer. É a vida do Espírito.

Para terminar, pedia-lhe que deixasse uma mensagem, neste mês do Coração de Jesus, para os nossos leitores, que são sobretudo benfeitores que, com a sua oração e a sua ajuda material, ajudam a manter as nossas obras.

O Coração de Jesus, como nos disse muito bem o nosso Fundador, continua a ser o nosso grande tesouro. O tesouro, donde podemos tirar coisas antigas e novas (cf. Mt 13,52), na tradição e na novidade, donde saber aprender a crescer nas relações que, hoje, o nosso mundo nos exige de abertura, de convivência,

O Coração de Jesus continua a ser a nossa grande escola. Aprender a ser humanos. E só quando aprendermos a ser humanos, vamos descobrir-nos como filhos e filhas de Deus e como irmãos.

Orientar o olhar para o Coração de Cristo é aprender a orientar o olhar para o coração daqueles que caminham lado a lado connosco.

E que bom seria se todos conseguíssemos reconhecer-nos com semelhanças ao Coração de Cristo.

Inscreva-se
na nossa newsletter

SUBSCREVA

Siga-nos
nos nossos canais

 - 

Inscreva-se
na nossa newsletter

Leia a Política de Privacidade e escreva para